Uma nova concepção sobre o papel do brincar
Houve um
tempo em que era extremamente nítida a separação entre o brincar e o
aprender. Os momentos de uma atividade e de outra eram separados por um grande
abismo e não se concebia que era possível aprender quando se brincava.
Mais
tarde, essa idéia foi lentamente sendo substituída por outra, que preconizava
que existiam "brincadeiras apenas lúdicas" cuja finalidade era
somente animar, alegrar e distrair, e outras, que poderiam ensinar um ou
outro conceito e desenvolver esta ou aquela habilidade. A maior parte das
pessoas adultas, distantes dos novos estudos sobre a mente humana e a maneira
como ela opera o conhecimento e constrói convicções, ainda pensa de uma ou de
outra maneira. Para elas, o brincar sempre se distancia do aprender ou não
apenas há nítida separação entre brincar e aprender, como é natural que deva
existir brinquedos que alegrem e divirtam e outros que eduquem.
Essas idéias
foram literalmente superadas por tudo o que hoje se conhece sobre a mente
infantil, e não há mais dúvidas de que é
no ato de brincar que a criança se apropria da realidade imediata,
atribuindo-lhe significado.
Em outras palavras, jamais se brinca sem aprender e, caso se insista em uma
separação, esta é a de organizar o que se busca ensinar, adequando o ensino
com brincadeiras para que melhor se aprenda.
Brincando,
a criança desenvolve a imaginação, fundamenta afetos, explora habilidades e,
na medida em que assume múltiplos papéis, fecunda competências cognitivas e
interativas. Como se isso tudo já não fizesse do "ato de brincar" o
momento maior da vida infantil e de sua adequação aos seus desafios, é
brincando que a criança elabora conflitos e ansiedades, demonstrando
ativamente sofrimentos e angústias que não sabe como explicitar. A
brincadeira bem conduzida estimula a memória,
exalta sensações emocionais, desenvolve a linguagem interior — e, às vezes, a exterior —, exercita
níveis diferenciados de atenção
e explora com extrema criatividade
diversos estados de motivação.
Ora, a aprendizagem e a construção de significados pelo cérebro se manifesta
quando este transforma sensações em percepções e estas em conhecimentos, mas
esse trânsito somente se completa de forma eficaz quando aciona os elementos
essenciais proporcionados pelo bom brincar, que são memória, emoção,
linguagem, atenção, criatividade e motivação.
Em suas
brincadeiras, as crianças constroem seus próprios mundos e deles fazem o
vínculo essencial para compreender o mundo adulto, dão novos significados e
reelaboram acontecimentos que estruturam seus esquemas de vivências, sua
variedade de pensamentos e a gama diversificada de sentimentos que têm. Toda
criança que se encontra distanciada da criação desse "mundo" se
afasta da significação do "outro mundo" em que, como adulto,
buscará decifrar e estabelecer linhas de convivência. É com triste frequência
que se descobre que, em muitos desajustes apresentados por adultos, ancora-se
a ausência ou distância do devaneio tão marcante no "faz de conta",
com o qual se arquiteta o mundo infantil. Não é, pois, sem razão que a
brincadeira representa o sólido eixo da proposta educativa de uma boa escola
de Educação Infantil.
Mas não
nos iludamos.
Aos pais
importa bem menos que a escola tenha brinquedos e que os exiba e bem mais
a maneira como os utiliza e de que forma esse uso realmente estrutura a
proposta educativa.
Brinquedos
caros e professores despreparados constituem uma equação que agride os
fundamentos da aprendizagem e "atiram pela escada abaixo" todos os
estudos e progressos sobre a arte de brincar e o desafio de aprender. Uma
escola ou creche em uma favela, por exemplo, pode não dispor dos coloridos e
atraentes brinquedos eletrônicos presentes em outras, mas, com sucata e
criatividade, com mestres verdadeiros e pesquisadores interessados, pode
desenvolver estímulos que nada ficam devendo aos propiciados pelos brinquedos
caros em mãos competentes. Brincar favorece a autoestima, a interação com
seus pares e, sobretudo, a linguagem interrogativa, propiciando situações de
aprendizagem que desafiam seus conhecimentos estabelecidos, fazendo destes
elementos para novos esquemas de cognição. Por meio do jogo simbólico, a
criança aprende a agir e desenvolve autonomia, que possibilita descobertas e
estimula a exploração, a experiência e a criatividade.
Celso Antunes
fonte:http://www.educacional.com.br/articulistas/celso_bd.asp?codtexto=462
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segunda-feira, 18 de março de 2013
.:O Brincar:.
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